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VIRTUAL PRINT FEE: A TAXA DIGITAL

 

A preocupação, não só de exibidores, mas de todos os que trabalham com cinema, está relacionada a dois problemas. O primeiro é a demora do país em trocar seus projetores analógicos por equipamentos digitais DCI, uma tecnologia criada pelos grandes estúdios americanos e que vem sendo adotada como padrão no mundo.

 

Hoje, apenas 38% das salas brasileiras operam com projeção digital, um percentual muito abaixo dos quase 90% da média mundial. Ou seja: se não correr, o país periga ficar sem cópias para filmes depois de julho, data a partir da qual os grandes estúdios já anunciaram que não terão mais a obrigação de distribuir películas. E é nesse processo de mudança que paira o segundo problema: para a transição do analógico para o digital, o Brasil adotou o Virtual Print Fee (VPF), um modelo que vem sendo replicado por outros países, mas que traz junto a si o risco do fechamento de salas e da queda na variedade de filmes em circuito.

 

Antes de qualquer coisa, é preciso explicar o que é esse tal VPF. Sua tradução literal para o português é “taxa de cópia virtual”. Trata-se, portanto, de uma compensação, paga pelos distribuidores, a fim de cobrir os gastos dos exibidores com a modernização dos equipamentos — o valor de compra do projetor e do servidor de computador que são instalados nos cinemas fica em torno de US$ 70 mil. A lógica é que, como são os distribuidores que têm a maior economia com o sistema digital — por não terem mais que arcar com despesas de impressão de cópias em película —, são eles também que devem financiar a transição. Assim, nos próximos anos, um distribuidor vai pagar o VPF por cópia de filme lançado no Brasil, quantia que será usada para amortizar a dívida do exibidor pela compra do
novo equipamento.

 

— Para lançar um filme em película, o distribuidor gasta de R$ 3 mil a R$ 4 mil por cópia. Com a digitalização, ele passa a gastar R$ 400 para transferir o filme para um HD, que pode ser utilizado em várias salas e enviado por correio. E, num futuro breve, nem haverá esse custo, porque os filmes poderão ser transmitidos por satélite — diz Luiz Severiano Ribeiro, presidente do Grupo Severiano Ribeiro. — O sistema do VPF é bom. Sei que existe um temor no mercado, mas me parece que isso vem da falta de informação. Se alguma sala de cinema fechar é porque já tinha que fechar mesmo.

 

FINANCIAMENTO DA ANCINE

 

Hoje, depois de ao menos três anos de discussão, o momento do mercado brasileiro é o de estabelecer os contratos de VPF entre exibidores e distribuidores. Os grandes estúdios negociaram diretamente com os exibidores multinacionais e já estão pagando o VPF. Outros executam o repasse da taxa através de um agente de mercado conhecido como integrador: trata-se de uma empresa que atua como mediadora dos contratos entre distribuidores e exibidores, para agilizar o processo. No Brasil, há apenas dois integradores em operação: um consórcio gerido pelos Estúdios Quanta, de São Paulo; e a empresa chinesa de tecnologia GDC, cuja sede mundial é em Hong Kong.

 

A principal diferença entre eles é que, pelo modelo da Quanta, os exibidores brasileiros poderão fazer uso de um financiamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), disponibilizado por meio do BNDES, para comprar os equipamentos digitais. No início do ano passado, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) anunciou uma linha do FSA de R$ 140 milhões específicos para a digitalização. Já no mês passado, ao lançar uma nova convocatória do fundo, a Ancine disponibilizou mais R$ 20 milhões. Até o momento, a Quanta já fechou acordos com mais de 600 salas de cinema e já entrou com o pedido de R$ 80 milhões no BNDES para financiar a digitalização.

 

— O compromisso firmado entre governo e mercado determina que nenhuma sala fique de fora. Mas temos uma dificuldade de chegar ao cinema pequeno. Até agora só conseguimos falar com 80% dos exibidores, então temos um longo caminho pela frente — diz Luiz Fernando Morau, diretor-executivo do consórcio gerido pela Quanta.

 

A data-limite para que o VPF deixe de ser recolhido é dezembro de 2019, mês estipulado para que todas as dívidas sejam amortizadas. Se algum cinema cobrir antes o valor do equipamento, ele deixa de receber o VPF. Em geral, nos acordos que estão sendo assinados, todos os distribuidores pagam para cada filme que chegar às telas um valor entre US$ 650 a US$ 850, dependendo do contrato.

 

Mas, para receber a quantia total, o exibidor terá que deixar o filme em cartaz durante pelo menos três semanas, em todas as sessões daquela sala. Em alguns acordos, prevê-se que, se a obra for retirada de circuito antes, o VPF pago é menor, proporcional ao tempo em cartaz. Já se o filme ficar mais semanas em exibição, não há novo pagamento da taxa.

 

“AMEAÇA A 700 SALAS”

 

Fora as muitas dúvidas que ainda pairam no ar, toda essa equação tem recebido críticas de muitos lados do mercado audiovisual.

 

— O grande problema é que foram os grandes estúdios que estabeleceram as regras e o contrato padrão que esses integradores usarão para todo o mercado — afirma André Sturm, diretor da distribuidora Pandora Filmes.


— Para os exibidores e para os distribuidores independentes, é um modelo que inviabiliza os filmes que não são blockbusters. E não falo apenas de filmes pequenos. Mesmo filmes médios que hoje entram em cartaz com 30 a 50 cópias terão muita dificuldade de estrear. Antes de mais nada porque terão que pagar um valor de VPF igual aos filmes grandes. Hoje, as mesmas poucas cópias são exibidas em muitos cinemas e têm seu custo diluído. No sistema que está sendo imposto, haverá um novo VPF a cada estreia.

 

Adil Tiscatti, um dos proprietários do Cine Santa, no Rio, teme que as contas não fechem no fim do mês:

 

— O que eles esquecem é que salas pequenas não têm condição de ficar com um filme só em cartaz por três semanas. Ou o exibidor vai receber menos VPF e não vai conseguir amortizar a dívida. Ou então ele vai se adequar a esse modelo e vai perder seu público — diz. — Por isso, os pequenos estão desesperados. E isso sem falar nas cidades de interior, em que os exibidores nem sabem que esse processo está em curso. A Ancine fala que há 470 salas nesta situação, mas a gente estima que o número seja de 700 salas pequenas em 35 milímetros. E todas essas podem fechar.

 

Para Bruno Sá, supervisor de projeção do Grupo Estação, o modelo do VPF pode marcar o sumiço dos filmes de arte no Brasil.

 

— Mesmo se um exibidor conseguir pagar a dívida da digitalização, só depois de seis anos de VPF um cinema vai ser realmente dono daquele projetor. E, em seis anos, o equipamento já estará velho — diz. — Além disso, os filmes pequenos tendem a desaparecer. Você acha que uma distribuidora vai lançar um filme pequeno para pagar VPF sem ter uma garantia de retorno de bilheteria? Ninguém vai querer arriscar mais. Também nenhum exibidor vai querer deixar um filme muito tempo em cartaz porque ele vai deixar de gerar o VPF. Vai acabar, por exemplo, a coisa de “Um pequeno Nicolau” ficar mais de 12 meses em exibição, como ocorreu com ele e outros filmes nos últimos anos.

 

CAMPANHAS E BLU-RAY

 

Na Europa e nos EUA, onde o debate sobre o VPF já vem ocorrendo há alguns anos, houve cinemas que inovaram para não serem atingidos negativamente pelo processo de digitalização. Há casos, como o do Ambler Theater, cinema de três salas numa pequena cidade do estado americano da Pensilvânia, em que uma campanha foi realizada entre os moradores para financiar a mudança: eles arrecadaram US$ 376 mil a partir de 2.687 doações. Em outros lugares, há quem esteja exibindo filmes em blu-ray como alternativa por não ter conseguido modernizar os equipamentos.

 

— Na Espanha, o principal problema é que praticamente nenhum cinema teve ajuda pública para a digitalização. As cadeias mais potentes conseguiram, mas os menores encontram muitas dificuldades. Muitos devem até fechar as portas — diz Francesc Vilallonga, diretor do Cine Truffaut, em Girona, cidade espanhola de 80 mil habitantes. — Nós tivemos sorte porque conseguimos um subsídio de um programa de incentivo europeu e ainda fomos financiados pela administração do nosso município. Mas a maioria não tem isso.

 

Atualmente, de acordo com um levantamento do portal de análise de mercado Filme B, o Brasil tem 2.640 salas de cinema, gerenciadas por 238 empresas exibidoras distintas. Dessas, apenas a Cinépolis, multinacional mexicana proprietária de 136 salas no Brasil, já está 100% digital no país. A expectativa atual é que, até o fim deste ano, 80% do mercado nacional tenha feito a conversão, deixando um mistério no ar para o que acontecerá com os 20% restantes. Manoel Rangel, presidente da Agência Nacional de Cinema, já disse mais de uma vez em entrevistas e eventos públicos que vai batalhar para que nenhuma sala feche. A pergunta que muita gente se faz, porém, é se, dentro da atual realidade do mercado, isso é possível.

 

— A Ancine tem criado políticas de financiamento para proteger os mais fracos. Mas a digitalização não é um novo conceito, é uma nova tecnologia.


Tudo ao nosso redor, como bancos e TVs, já passou para o digital. E o cinema está atrasado. Então acredito que algumas salas podem, sim, fechar, o que é inevitável num processo radical como este pelo qual estamos passando — diz Paulo Sérgio de Almeida, diretor do Filme B. — Só que, por outro lado, eu acho que o digital fará tão bem à indústria que certamente outras muitas salas vão abrir, até mesmo no lugar daquelas que fecharem.


Fonte: O Globo

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